A banalização da presunção de inocência e o papel do magistrado em casos difíceis

Com a separação de funções de acusação e defesa pelo sistema acusatório o acusado passa a ter a possibilidade de contraditório e de convencer o julgador sobre sua inocência.

A gestão de provas está nas mãos das partes, funcionando o juiz como garantidor dos direitos, liberdades e das regras processuais.

Sendo assim, o magistrado não deve buscar a condenação do acusado e sim analisar os argumentos e provas processuais para então decidir.

É inerente ao ser humano que este tenha uma pré-compreensão sobre o mundo, sobre as coisas, as relações, e dessa forma, é certo que a pessoa, o juiz, já condiciona sua interpretação a partir de sua ideologia.

Em casos como o de acusação de estupro de vulnerável em que as provas muitas vezes são baseadas exclusivamente em depoimento vítima, o magistrado deve ter redobrada cautela.

A estrutura psíquica de uma criança é sabidamente mais frágil que a de um adulto, sendo, portanto, mais facilmente violada ou contaminada sua memória.[1]

É o que leciona o consagrado doutrinador Aury Lopes Jr.:

“Muita cautela se deve ter diante do depoimento infantil, especialmente nos crimes contra liberdade sexual (e, mais ainda, naqueles que não deixam vestígio ) em que a palavra da vítima acaba sendo a principal prova).Não se trata de demonizar a palavra da vítima, nada disso, senão de acautelar-se contra o endeusamento dessa prova.[2]

Assim, não se nega a importância da palavra da vítima em crimes sexuais, porém deve vir acompanhada de elementos mais concretos ainda que somente baseados em entrevistas, mas que façam uma abordagem além do que é reportado pela vítima para que se tenha uma prova com qualidade.

Há necessidade de um psicólogo para escuta especializada que extrapole os fatos da denúncia a fim de atestar se houve ou não influência no relato da criança.

Havendo dúvidas invencíveis nos autos deve ser aplicado o princípio do in dubio pro reo mesmo com confirmação da vítima em juízo.

Foi o que entendeu o Tribunal de Justiça de Minas Gerais ao acatar o recurso da defesa assinada pelos advogados Alex Bisinotto e Maria Eduarda Martins em que se questionava a ausência de provas concretas produzidas pela acusação (Apelação Criminal Nº 1.0569.16.002504-9/001).

O Egrégio Tribunal deu provimento ao recurso absolvendo o réu condenado a doze anos em regime fechado.

22 de julho de 2022

Por Maria Eduarda Martins Borges

[1] LOPES, Aury Júnior, Direito Processual Penal, 11 edição, São Paulo, Saraiva, 2018  p.698

[2] LOPES, Aury Júnior, Direito Processual Penal, 11 edição, São Paulo, Saraiva, 2018  p.697

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